Um certo clichê...
- E por quê esse nome
americanizado se você é brasileiro?
E o grupo de meninos começava a rir de Paul que , em vão e
pela milésima vez, tentava explicar a mesma história.
- É que tinha um cantor de ópera que meu pai...
Não adiantava. Paul era a piada do dia... todos os dias... todo
os anos de sua vida escolar.
O melhor momento era voltar para casa e ouvir ópera, um
hábito que seu pai lhe deixou antes de sair de casa para nunca mais voltar.
- Paul, saia logo desse banheiro e deixe de tanto grito.
Reclamava a mãe das suas tentativas de ser um tenor. Escutava
ópera todos os dias, cantarolava no caminho da escola.
- Paul Pó-Pó... O quê mesmo?
Começou a trabalhar e
também era a piada do dia no escritório. O jeito era continuar com os velhos hábitos:
escutar óperas todos os dias e cantarolar
até o dia em que resolveu tomar coragem e
começar um curso de canto.
- Paul, sua voz vai te levar muito longe.
Era o único lugar
onde se sentia alguém, onde não era a piada do escritório e seus “gritos” não
incomodavam.
- Vou te inscrever em um concurso para tenores.
- Não, professor, por favor, não. Eu faço essas aulas de
canto escondido.
E foi para casa sonhando com a chance que acabara de jogar
fora...
Uma semana depois, recebe um email confirmando a sua
inscrição.
- Como assim? Eu disse que eu não queria.
Seus olhos diziam outra coisa e foi a eles que o seu
professor resolveu ouvir...
- Você não entende, eles vão acabar comigo no escritório,
meus vizinhos vão rir de mim...
- E o mundo vai se curvar aos seus pés quando você começar a
cantar.
O mundo que Paul conhecia nunca iria se curvar aos seus pés,
no máximo pisar neles. E o seu medo falou mais alto que a sua vontade. Não
participou do concurso e, de quebra, não voltou mais para as aulas de canto.
- Por que você anda tão calado esses dias, meu filho?
- Nada não, mãe. Problemas no trabalho.
- Eu nem te escuto mais cantando no banheiro.
- É que como eu sei que a senhora não gosta...
-Quem disse? Eu gosto sim. Eu só achava que era um pouco
alto e os vizinhos podiam reclamar.
Agora era tarde. Paul já tinha deixado de lado esse negócio
de “gritar” e seguiu com a sua vidinha de “piada do dia”. E cada vez falando
menos, comendo menos, vivendo menos...
- Paul! O que houve com você?
- Oi, professor. Desculpa, mas não tive coragem de voltar...
Já haviam- se passado dois anos desde que Paul abandonara o
curso.
- Paul, o mundo continua a sua espera.
Por mais que não quisesse admitir, ópera era a sua vida e
sem ela...
- Você vai morrer aos poucos, Paul.
O professor via em Paul algo que nem mesmo o próprio conseguia
enxergar.
- Você voltou para as aulas de canto, meu filho?
- Mãe? Como?
- A gente sabe, mãe sempre sabe. Você voltou a sorrir, a
viver...
Então resolveu se inscrever em um concurso de cantores.
Agora não tinha mais por que ter medo.
- Gente, o Paul Pó-Pó-Pó
agora virou tenor. Não é mais americano
não, é italiano.
E antes que os seus colegas começassem a rir, Paul cantou um
pedaço de La traviata. Silêncio. Paul saiu e nunca mais voltou.
- Não vou ser piada para mais ninguém.
Seguia confiante e feliz, parecia que o mundo realmente iria se curvar a seus pés... Parecia?
- Mas como assim?
- Não sei, Paul,foi muito rápido. Ele se sentiu mal,
chamamos a ambulância...
Chegou ao hospital a tempo de ver o seu professor ser levado
para a sala de cirurgia. Será que ao invés de se curvar, o mundo resolveu desmoronar? Não sabia para
onde ir e nem o que fazer, não se movia, seus olhos continuavam presos a porta
da sala de emergência.
- Paul Potts, por favor?
- É ele. Quem é?
- Eu sou produtora do programa ...
Como que adivinhando o que poderia acontecer, o professor
gravou um ensaio de Paul sem que ele soubesse e enviou para o maior programa de
show talentos do país: seu vídeo tinha sido selecionado.
- Não posso, mãe. Não posso fazer isso sozinho.
- Ele te devolveu a vida com a ópera. Faça o mesmo por ele.
O professor estava
dormindo, cheio de tubos.
- Ainda não sei como, mas vou achar uma maneira de fazer o
mundo se curvar aos meus pés e vamos celebrar quando o senhor sair daqui
Na plateia a mãe, na mente o professor e na garganta um
aperto que parecia sufocar. Não dava mais tempo para fugir, chegou a sua vez,
já estava entrando no palco quando, como num milagre, avistou seu pai na
plateia. Um misto de raiva e gratidão, afinal, foi ele quem havia lhe
apresentado a ópera.
- O que você vai cantar para a gente? – perguntou um dos
jurados.
- Eu...eu...
- Você vem para um show de talentos sem saber o que vai fazer?
– perguntou o outro jurado em um tom de ironia fazendo algumas pessoas da
plateia rir.
Paul conhecia aquele som, o som do escárnio, aquele que teve
que aguentar por muitos anos. Deu a primeira nota com tanta força que calou
toda a plateia. A partir dali, seguiu cantando sem dar tempo nem de colocarem a
melodia. Olhava para a plateia em tom de desafio e cantava cada vez mais alto, mais
alto, mais alto até a última nota. Os jurados não esboçavam nenhuma reação e
toda a plateia em silencio. Alguns
segundos depois, uma enxurrada de aplausos invadia todo o lugar, os jurados
estavam de pé e seus pais abraçados, entre lágrimas e risos. Pensou no
professor, o mundo se curvou aos seus pés.
- E aqui está o vencedor do nosso programa, Paul Potts. Como
você se sente?
Tantas pessoas ao seu redor, luzes, flashes, mal conseguia
andar com tanta gente a sua volta. Tudo que queria naquele momento era abraçar
os três responsáveis por aquele momento. Entretanto, ter o mundo aos seus pés
tinha um preço: deixaram o professor assistir ao programa no hospital e ele não
resistiu à emoção.
- Nós conseguimos!
Deixou uma flor sobre o túmulo e foi direto para um estúdio
gravar o seu primeiro CD.
(25/09/18)
(imagem https://www.marianuniversitysabre.com/832/news/become-more-involved-on-marian-campus-through-marians-got-talent/)