- Sente-se.
Disse o pequeno senhor apontando para uma cadeira velha no canto da sala.
- Como é mesmo o seu nome?
- Sharon.
- Nome diferente. É estrangeiro?
- Judaico.
Falava com um sotaque alemão muito forte. Era preciso prestar muita atenção para entendê-lo.
- Então, Saron.
- Sharon.
- Sim, Sharon, desculpe. Você me disse no telefone que precisava de aulas de alemão. Por quê?
Olhei a minha volta e vi diversos quadros. Fotos antigas. Toda a casa era antiga.
- É que consegui um emprego numa empresa alemã. Eu falo inglês, mas meus chefes só falam alemão entre si e com um grupo seleto de funcionários que falam o idioma. Eu queria fazer parte desse grupo seleto, entende?
- Sim.
- Há quantos anos o senhor já está aqui?
- Há muitos. Vamos começar.
- O senhor usa algum livro?
- Não. Você me disse que quer falar alemão.
Era um senhor pequeno, olhos azuis, a pele branca, toda enrugada, mas andava e se movia com muita agilidade.
- O que o senhor fazia na Alemanha antes de vir pra cá?
- Vamos começar com o alfabeto.
Ele parecia não escutar direito. Deixei minha curiosidade de lado e começamos a aula...
- Então, amanhã, no mesmo horário. Seja pontual, por favor.
Sua metodologia não era muito convencional. Entretanto, resolvi ter mais aulas.
- Repita a última palavra.
Ele era bastante rígido, queria a perfeição. Eu também, mas às vezes...
- Não, senhora! Não foi isso que perguntei. Começarei do início.
Parecia incansável. Eu me sentia num quartel, contudo não reclamava, tentava seguir as ordens do meu pequeno general...
- Guten Morgen.
Meus chefes me olharam como se eu tivesse falado um palavrão. Perguntei como estavam e começamos um pequeno diálogo. Algum tempo depois e eu já fazia parte do grupo seleto.
- Você está muito melhor.
- Danke schön.
- Mas não poderemos continuar as aulas. Tenho que voltar a Alemanha.
Ele não entrou em detalhes. Fiquei triste por não ter mais aulas com o meu pequeno general. Parecia que a sua ida a Alemanha era definitiva.
- Um presente pra você.
Era um livro de capa dura. Contos alemães. Eu não tinha como retribuir o presente, então lhe dei um abraço bem apertado e um beijo na testa.
- Tschüss
- Tschüss.
Teria que arranjar um novo professor. Meu pequeno general teve que desertar.
- Um jornal, por favor.
- Dois reais.
Abri logo na parte dos classificados, circulei alguns nomes e comecei a folhear o jornal. Já estava na penúltima página, quando vi a foto do meu professor mais jovem e com os olhos mais azuis do que nunca. Meu corpo gelou.
- Nazista desgraçado!
E atirei o livro de contos na lata de lixo.
(07/06/11)