terça-feira, 7 de junho de 2011

Um pequeno senhor



- Sente-se.


Disse o pequeno senhor apontando para uma cadeira velha no canto da sala.

- Como é mesmo o seu nome?

- Sharon.

- Nome diferente. É estrangeiro?

- Judaico.

Falava com um sotaque alemão muito forte. Era preciso prestar muita atenção para entendê-lo.

- Então, Saron.

- Sharon.

- Sim, Sharon, desculpe. Você me disse no telefone que precisava de aulas de alemão. Por quê?

Olhei a minha volta e vi diversos quadros. Fotos antigas. Toda a casa era antiga.

- É que consegui um emprego numa empresa alemã. Eu falo inglês, mas meus chefes só falam alemão entre si e com um grupo seleto de funcionários que falam o idioma. Eu queria fazer parte desse grupo seleto, entende?

- Sim.

- Há quantos anos o senhor já está aqui?

- Há muitos. Vamos começar.

- O senhor usa algum livro?

- Não. Você me disse que quer falar alemão.

Era um senhor pequeno, olhos azuis, a pele branca, toda enrugada, mas andava e se movia com muita agilidade.

- O que o senhor fazia na Alemanha antes de vir pra cá?

- Vamos começar com o alfabeto.

Ele parecia não escutar direito. Deixei minha curiosidade de lado e começamos a aula...


- Então, amanhã, no mesmo horário. Seja pontual, por favor.



Sua metodologia não era muito convencional. Entretanto, resolvi ter mais aulas.

- Repita a última palavra.

Ele era bastante rígido, queria a perfeição. Eu também, mas às vezes...

- Não, senhora! Não foi isso que perguntei. Começarei do início.

Parecia incansável. Eu me sentia num quartel, contudo não reclamava, tentava seguir as ordens do meu pequeno general...



- Guten Morgen.

Meus chefes me olharam como se eu tivesse falado um palavrão. Perguntei como estavam e começamos um pequeno diálogo. Algum tempo depois e eu já fazia parte do grupo seleto.


- Você está muito melhor.
- Danke schön.

- Mas não poderemos continuar as aulas. Tenho que voltar a Alemanha.

Ele não entrou em detalhes. Fiquei triste por não ter mais aulas com o meu pequeno general. Parecia que a sua ida a Alemanha era definitiva.

- Um presente pra você.

Era um livro de capa dura. Contos alemães. Eu não tinha como retribuir o presente, então lhe dei um abraço bem apertado e um beijo na testa.

- Tschüss

- Tschüss.


Teria que arranjar um novo professor. Meu pequeno general teve que desertar.

- Um jornal, por favor.

- Dois reais.

Abri logo na parte dos classificados, circulei alguns nomes e comecei a folhear o jornal. Já estava na penúltima página, quando vi a foto do meu professor mais jovem e com os olhos mais azuis do que nunca. Meu corpo gelou.

- Nazista desgraçado!

E atirei o livro de contos na lata de lixo.



(07/06/11)

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