segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O degrau sujo: a primeira performance



E o silêncio que eu tentei criar, isolando-me da multidão, ignorar os seus olhares, o som, o tambor do Olodum ao longe...

Meus olhos ardiam, ardiam, mas eu não queria piscar e piscava. O piscar era toda a quebra do meu corpo imobilizado por mim mesmo.

Tentei calar a mente. Como ela fala!

Como meus olhos ardem! E eu, eu não paro de piscar.

Olhares alheios, eu percebo, não vejo, não encaro, sigo em frente, lentamente, tento o mais lento que posso. A mão às vezes mais rápida ou mais lenta do que os pés.

Agora, minha mente quer fugir do momento. Mas no momento, a mente não cala, mas o coração fica calmo, quase em silêncio, só pude ouvir a batida do tambor, do Olodum...

E como meus olhos ardem! E tenho que piscá-los.

E subir cada vez mais lento. Tentar pensar algo que acompanhe a lentidão do movimento...

Mas meu olho ardia, e eu piscava, e quebrava a imobilização de mim mesmo. Estava quebrando as regras?

Percebo algum dedo apontado pra mim. Mas meu coração foi silenciado, a respiração lenta, batidas do tambor ao longe e tão próximo, o que fazer? O que pensar?

Como me concentrar no presente e não no futuro representado pelo fim da escada? Não quero chegar ao futuro. Não agora. Quero o presente dos degraus sob meus pés, pedindo para que eu fosse mais lento. O pedido era meu, vinha de dentro, tenho que ir mais lento.

A mente fala muito e meu corpo não obedece. Deixo uma parte de mim abandonar o intelecto e se concentrar no físico.

Já estou no meio da escada. Os olhos ardem e eu pisco.

Já estou quase no futuro! Tento vivenciar o presente o mais lento possível, tento vencer a mim mesmo, calar a minha mente, ignorar os olhos do mundo e sentir meu corpo lento, meu coração batendo baixo, minha respiração lenta. Tento não pensar no conhecido ou no desconhecido que talvez me olhe.

Eu me olho por dentro, olho a luz que faz meu olho arder mais e o ponto branco de um degrau. Que vontade de ficar mais, de me vencer mais um pouco, de calar minha mente, que sensação agradável.

Estou quase lá. Falta pouco. O último degrau. Não queria, mas estou chegando a ele. Faço o último movimento lento com as mãos. Os pés se juntam no último degrau.

Saio, normal, incerta, ainda tentando ignorar os olhos alheios. Um transe controlado, consciente e tentando ser inconsciente.

Saí, acabou, ando sem olhar para ninguém. O corpo ainda se acostuma ao ritmo mais rápido e eu, incerta, andando, seguindo, desci, ignorando, aqui estou.

Um homem estranho se aproxima. Tentando experimentar ainda um pouco do transe, me afasto e me entrego as letras e revivo um pouco o meu contato lento com degraus.

O mundo. Atingir meu silêncio. Calar a minha mente. Venci?






Texto resultado da performance realizada na Estação da Lapa/ Salvador/Novembro/2010












(imagem https://goo.gl/images/mSVSss)













1 comentários:

Joelma disse...

Isso que eu compartilho com você, e que nós vivemos juntas, separadas por degraus e silêncio.
Todas as emoções que eu senti ali, parada, obrigando meu corpo a seguir um ritmo contrário. Vendo o mundo correr ao meu lado enquanto eu seguia calada, com cada centímetro do meu corpo pulsando em ritmo acelerado apesar da aparente lentidão.
Obrigada minha amiga pelo privilégio de viver uma experiência tão verdadeira e intensa ao seu lado.

16 de dezembro de 2010 às 18:09

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