domingo, 19 de maio de 2013

Homicídio unicamente qualificado






 Se ele disse que foi assim, quem sou eu para dizer o contrário?
- O morto.
- E quem disse que ele me deu tempo de ver alguma coisa?
- Somente duas pessoas estavam presentes no momento do crime: o assassino e a vítima. Se a vítima, você, diz que não viu nada, logo...
- Sim, ele foi o único que viu tudo. 
- Então se ele diz que é inocente, devo acreditar nele?
- Seu delegado, desde o momento que eu estava andando pela rua até a hora em que fui assassinado, muita coisa pode ter acontecido, o senhor não acha?
- O que você quer dizer com isso? Você viu mais alguma coisa?
- Como eu poderia ver, se ele não me deu chance de ver nada?
- Ele? O assassino?
- Quem mais?
- Então você confirma que ele foi o seu assassino.
- Não posso confirmar e nem negar nada.
- Mas você acabou de dizer que "ele" não te deu chance de... Quem é "ele"?
- O meu assassino.
- Então você confirma que "ele" é o seu assassino.
- A única coisa que eu posso confirmar, seu delegado, é que eu fui assassinado e existe um "ele" que me matou. Só não posso dizer quem é esse "ele" porque "ele" não me deu chance de ver nada.
- Ora, rapaz, você está querendo me confundir! E o que você quis dizer com "muita coisa poderia ter acontecido"? 
- Ora, quando eu estava andando pela rua...
- Essa parte você já disse.
- Sim, quando eu estava andando pela rua, eu realmente o vi no local em que fui assassinado. Entretanto, no momento em que fui assassinado, eu não vi mais nada. Quem me garante que uma outra pessoa, que eu não vi e que não é esse rapaz que se diz inocente, quem me garante que uma outra pessoa não se aproveitou do fato que eu tinha visto somente o rapaz e não ela, a pessoa em questão, e atirou?
- É um raciocínio um pouco confuso, mas faz um certo sentido. Mas quem poderia ser essa terceira pessoa?
- Ou quarta.
- Quarta?
- Sim, poderia haver mais de duas pessoas na cena do crime além de mim.
- Santo Deus. Nunca estive diante de um caso tão difícil assim. Então você acha que tinha mais pessoas na hora do crime?
- Eu não acho, senhor delegado, eu estou supondo.
- Olha aqui, meu rapaz, você está muito confuso e está querendo me confundir.
- Eu só quero morrer em paz.
- Mas você já está morto!
- Então, pra quê tanta confusão em torno de uma coisa que não tem mais jeito?
- Porque eu sou o delegado que está investigando o caso e eu não descanso até descobrir quem é o assassino!
- Eu acho que o senhor esta perdendo o seu tempo.
- Oh, Givas, traz lá o acusado. Vamos botar esses dois frente a frente...
- Mandou me chamar, doutor?
- Sente aí. Você disse que é inocente. Por que tanta certeza disso?
- Se ele disse que ele é, é e pronto!
- E eu acho melhor você não interromper o depoimento dele.
- Mas eu sou a vítima! Eu tenho todo o direito...
- Grande coisa! Uma vítima que não viu e não sabe quem é o seu próprio assassino. Continue, meu rapaz.
- Como, doutor, como eu posso ser o assassino se tudo que eu fiz foi...
- Está vendo? Ele não é o assassino. Libera ele e pronto.
- Espera. Continue, meu rapaz. Existe algo que você ainda não tenha contado e queira contar agora?
- O senhor está pressionado o acusado, senhor delegado.
- É que...
- Diga, fale, meu rapaz.
- Ele me fez prometer...
- Ele quem, meu rapaz?
- Ele não quer que eu conte a verdade!
- Eu? Eu nem te conheço. E como não vou querer saber a verdade do meu próprio assassinato?
- Então, meu rapaz, continue.
- Ele não quer que eu diga...
- Olhe, senhor delegado, eu já vou. Já perdi muito tempo aqui.
- ... que eu tentei impedir que ele se matasse.
- É mentira!
- Mas quando cheguei lá... eu cheguei e era tarde demais.
- É mentira! Isso nunca aconteceu!
- Então é por isso. O senhor é o seu próprio assassino!
- E eu vou ser preso por isso, é?
- Isso é o juiz quem vai decidir. Por agora, você precisa arranjar um bom advogado. Givas, leva esse elemento pra o xadrez!



(19/05/13)



















(photo from http://jesusminhafontedevida.blogspot.com.br/2012_05_01_archive.html)

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