Homicídio unicamente qualificado
Se ele disse que foi assim, quem sou eu
para dizer o contrário?
- O morto.
- E quem disse que
ele me deu tempo de ver alguma coisa?
- Somente duas
pessoas estavam presentes no momento do crime: o assassino e a vítima. Se a
vítima, você, diz que não viu nada, logo...
- Sim, ele foi o
único que viu tudo.
- Então se ele diz
que é inocente, devo acreditar nele?
- Seu delegado,
desde o momento que eu estava andando pela rua até a hora em que fui
assassinado, muita coisa pode ter acontecido, o senhor não acha?
- O que você quer
dizer com isso? Você viu mais alguma coisa?
- Como eu poderia
ver, se ele não me deu chance de ver nada?
- Ele? O assassino?
- Quem mais?
- Então você
confirma que ele foi o seu assassino.
- Não posso
confirmar e nem negar nada.
- Mas você acabou
de dizer que "ele" não te deu chance de... Quem é "ele"?
- O meu assassino.
- Então você
confirma que "ele" é o seu assassino.
- A única coisa
que eu posso confirmar, seu delegado, é que eu fui assassinado e existe um
"ele" que me matou. Só não posso dizer quem é esse "ele"
porque "ele" não me deu chance de ver nada.
- Ora, rapaz, você
está querendo me confundir! E o que você quis dizer com "muita coisa
poderia ter acontecido"?
- Ora, quando eu
estava andando pela rua...
- Essa parte você
já disse.
- Sim, quando eu
estava andando pela rua, eu realmente o vi no local em que fui assassinado.
Entretanto, no momento em que fui assassinado, eu não vi mais nada. Quem me
garante que uma outra pessoa, que eu não vi e que não é esse rapaz que se diz
inocente, quem me garante que uma outra pessoa não se aproveitou do fato que eu
tinha visto somente o rapaz e não ela, a pessoa em questão, e atirou?
- É um raciocínio
um pouco confuso, mas faz um certo sentido. Mas quem poderia ser essa terceira
pessoa?
- Ou quarta.
- Quarta?
- Sim, poderia
haver mais de duas pessoas na cena do crime além de mim.
- Santo Deus.
Nunca estive diante de um caso tão difícil assim. Então você acha que tinha mais
pessoas na hora do crime?
- Eu não acho,
senhor delegado, eu estou supondo.
- Olha aqui, meu
rapaz, você está muito confuso e está querendo me confundir.
- Eu só quero
morrer em paz.
- Mas você já está
morto!
- Então, pra quê
tanta confusão em torno de uma coisa que não tem mais jeito?
- Porque eu sou o
delegado que está investigando o caso e eu não descanso até descobrir quem é o
assassino!
- Eu acho que o
senhor esta perdendo o seu tempo.
- Oh, Givas, traz
lá o acusado. Vamos botar esses dois frente a frente...
- Mandou me
chamar, doutor?
- Sente aí. Você
disse que é inocente. Por que tanta certeza disso?
- Se ele disse que
ele é, é e pronto!
- E eu acho melhor
você não interromper o depoimento dele.
- Mas eu sou a
vítima! Eu tenho todo o direito...
- Grande coisa!
Uma vítima que não viu e não sabe quem é o seu próprio assassino.
Continue, meu rapaz.
- Como, doutor,
como eu posso ser o assassino se tudo que eu fiz foi...
- Está vendo? Ele
não é o assassino. Libera ele e pronto.
- Espera.
Continue, meu rapaz. Existe algo que você ainda não tenha contado e queira
contar agora?
- O senhor está
pressionado o acusado, senhor delegado.
- É que...
- Diga, fale, meu
rapaz.
- Ele me fez
prometer...
- Ele quem, meu
rapaz?
- Ele não quer que
eu conte a verdade!
- Eu? Eu nem te
conheço. E como não vou querer saber a verdade do meu próprio assassinato?
- Então, meu
rapaz, continue.
- Ele não quer que
eu diga...
- Olhe, senhor
delegado, eu já vou. Já perdi muito tempo aqui.
- ... que eu
tentei impedir que ele se matasse.
- É mentira!
- Mas quando
cheguei lá... eu cheguei e era tarde demais.
- É mentira! Isso
nunca aconteceu!
- Então é por
isso. O senhor é o seu próprio assassino!
- E eu vou ser
preso por isso, é?
- Isso é o juiz
quem vai decidir. Por agora, você precisa arranjar um bom advogado. Givas, leva
esse elemento pra o xadrez!
(19/05/13)
(photo from http://jesusminhafontedevida.blogspot.com.br/2012_05_01_archive.html)
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