domingo, 18 de julho de 2010

À espera



- Próximo!


Gritava a atendente batendo, impacientemente, com a ponta da caneta no balcão.

- Próximo, por favor!

Era a vez de um senhor que se encontrava sentado e adormecido numa cadeira. Parecia que ele estava muito longe dali, em outra dimensão ou apenas no décimo terceiro sono.

- O próximo, por favor!

Uma senhora acompanhada de uma criança resolveu atender aos apelos da atendente, passando na frente do senhor que não fez sequer uma única objeção. Era como se ele não quisesse sair dali.

- Seu R.G, senhora.

E mais uma vez a voz da atendente interrompeu o meu pensamento sobre aquele senhor. De repente um choro de criança atravessou o espaço, incomodando a individualidade de todos. A criança que estava com a senhora parecia não aceitar que era a sua vez de tirar sangue.

O curioso é que o magro senhor não movera sequer uma pálpebra. Estava muito bem aconchegado em suas roupas surradas e debaixo de seu jornal amassado, prestes a cair no chão. Até que chegou a minha vez.

Eu não queria ir. Não por medo. Na verdade, eu não queria perder de vista aquele objeto vivo da minha observação. Entretanto, o dever me chamava e, mesmo contra a minha vontade, entrei.

A moça, quase sem olhar para minha cara, iniciou o seu ritual de tortura: amarrou o meu braço com aquela borracha amarelada, esfregando, logo em seguida, um chumaço de algodão embebido no álcool... Engraçado, apesar de saber que aquela seria a última etapa antes da temível agulha entrar em cena, não fiquei nervosa como de costume. Acho que nem percebi o momento do furo. A curiosidade de saber o que teria acontecido àquele senhor me corroia por dentro, controlando todas as possíveis sensações do meu corpo.

Pronto, a seringa já estava totalmente vermelha e isto significava que minha agonia chegara ao fim. Passei pela cantina como um relâmpago na direção da sala de espera.

Cheguei. O senhor ainda estava ali e na mesma posição que eu o deixara antes de entrar. Morto? Aquele senhor estava morto e ninguém sabia. Só eu. Como anunciar aquele fato para pessoas que passavam indiferentes, apenas “cumprindo” com o seu cotidiano?

Um homem distraído tropeçou no pé do... do morto e... nada aconteceu. Não tinha dúvidas, o senhor magro, de roupas surradas, estava morto.

- Vovô.

Vovô? Aquela voz...

- Vamos, vovô.

Olhei para o lado e vi a criança que não queria tirar sangue se aproximando do senhor, segurou o homem pela mão, acordando-o delicadamente. Com a cara amarrotada, o homem se levantou, pegou a menina no colo e saiu rindo timidamente.

O jornal foi esquecido, o senhor ressuscitou e eu voltei à cantina para tomar um pouco de chocolate quente.




(06/07/00)

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