domingo, 26 de setembro de 2010

Assim disse Nário assim

















- Pai, o que é texto?

Como responder àquela pergunta complexa sem complicar muito? Afinal, o dono da pergunta só tinha quatro anos. Resolveu apelar para o lúdico.

- Texto é... são palavras em bando. Assim como os passarinhos que voam juntos.

- E o que é si-g-sig-ni-fi-cado? - perguntou Aurelinho quase se engasgando com as sílabas.

Aquela era ainda mais difícil de explicar.

- Significado é a importância que cada palavra dá a si mesma.

E aos poucos Aurelinho foi tomando gosto pelas letras: raiz, desinência, significante, léxico... E para cada um deles, uma nova história. Ficava encantado com tudo o que ouvia. Saboreava cada explicação ou palavras cantando em coro como se fosse sua.


E o tempo? Esse foi passando como sempre ou empurrando os ponteiros do relógio que era um sujeito muito paradão. Aurelinho foi ficando menos “linho”. O pai, seu Nário, há muito já não era tão questionado. Uma tal de Dona Escola apareceu e começou não só a responder às perguntas de Aurélio, como exigir dele algumas respostas. Seu Nário ficava alegre por ver o filho recebendo tanto conhecimento e um pouco triste por ter perdido o seu melhor discípulo.


Aurélio cresceu ainda mais, a tal ponto que só o “élio” já não era suficiente e começou a ser chamado de Aurélião. Já não conversava tanto com o pai como antes. Tinha decidido escrever um livro ou uma festa das palavras. E para isso se encontrava todos os dias com Dona Universidade. Dona Escola, assim como seu Nário, já não podia responder a todas as complexas e intermináveis perguntas.


Chegava a casa, mal falava com o pai, entrava no quarto e mergulhava nas folhas de ofício espalhadas pela cama para corrigir ou acrescentar alguma coisa. O pai se perguntava o que tinha feito ou contado de errado para o seu filho mudar com ele daquele jeito? E, pela primeira vez, não lhe vinha nenhuma resposta.


Meses e Aurélião já não visitava mais Dona Uni. Resolveu apelidá-la assim para não perder tempo falando todo o seu nome. Tinha que usar todo o tempo que tinha (e sentia que não tinha tempo o suficiente)  para continuar a sua festa, digo, o seu livro.


Seu Nário via televisão. Sem diálogo, não tinha mais tanta razão para viver e resolveu se entregar aos poucos: passava todo o tempo que tinha (e tinha muito) assistindo a todas as novelas sem nexo, aos telejornais comprados, aos filmes repetidos e aos desenhos de violência para crianças.


Domingo. Um pouco antes do almoço, chegou Aurélião com um enorme embrulho, colocando-o no colo do pai que acordou assustado.
- O que é isso, meu filho?

- Abra, Seu Nário!


Seu Nário começou a abrir o embrulho cuidadosamente. Isso feito, passou para a fase da incredulidade ou o momento em que a pessoa não consegue fechar a boca e nenhuma palavra, palavrinha ou palavrão veio lhe socorrer. Ficou mudo.

 Era um livro enorme, cheio de palavras, cada uma com sua própria história, uma verdadeira festa. Seu Nário chorou, chorou como  Aurelinho quando escutou a história da palavra saudade. O livro “Disse Seu Nário” foi um sucesso.


Entretanto, as pessoas, impregnadas com a pressa do dia a dia e sem paciência para mais nada, quando falavam o nome do livro, falavam tão rápido que parecia uma palavra só. Algumas edições depois, um esperto e ganancioso Editor ou organizador da festa das palavras resolveu imprimir o que já estava sendo dito.

Aurélião ficou muito aborrecido, mas Seu Nário disse que não havia problema, a verdade do livro morreria com eles. E assim "Disse Seu Nário"  ficou "Dicionário" ou as palavras de Aurélio... mas esse último só para os íntimos.



1 comentários:

Tinho capoeira disse...

Adorei esse " sem Ô disse o Nário ". Então, por causa da pressa do dia a dia até mesmo para falar, a palavra " senhor " é derivada do " sem Ô " ? rsrsrsrsrsr. Amei. Bjus, Fátima.

29 de setembro de 2010 às 22:39

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