Fome Suja
- Moço, compra um pirulito.
Estava distraído quando ouvi aquela voz. Olhei para o lado e não vi ninguém. Resolvi voltar aos meus pensamentos quando...
- Moço, compra um pirulito.
Olhei ao meu redor e percebi que atrás de mim se encontrava um garoto magro, pálido e muito encardido. “Um menino de rua”, pensei e coloquei a mão sobre a carteira que estava no bolso.
- Moço, eu tô com fome. Compra um pirulito aí, vai?
Fome. A palavra doeu nos meus ouvidos. Duvidar de um ser humano com fome?
- Como é o seu nome, filho?
- Tô com fome.
De novo essa palavra? Será que ele quer que eu me sinta culpado pela fome no mundo?
- Você tem mãe?
- Tem não. Meu nome é José.
- José. Onde você mora, José?
- Moro longe.
Parecia que José não gostava muito de conversar. Talvez a vida não lhe desse muita chance para bater papo. Deveria ser filho de pai desconhecido, morando num barraco com a mãe e mais meia dúzia de irmãos.
- Quantos anos você tem, José?
- Dez ou onze. Sei não.
A esta altura eu já tinha perdido o meu ônibus.
- Moço, vai comprar um pirulito?
Aquela insistência em me vender um pirulito, ao invés de me irritar, aumentou ainda mais o meu interesse pelo José. Era a fome que mandava naquele corpo franzino e sujo. A fome era sua única força, era o que o mantinha de pé.
- Um é trinta e dois é cinqüenta.
Não sei. Talvez eu fosse um pouco culpado pela situação do José. Quem sabe eu poderia lhe pagar um lanche?
- José, você quer...
- Cala a boca e passa a carteira, otário!
- Como é que é?
De repente a sua voz engrossou. Não tinha fome, mas um canivete na mão apontado para a minha barriga.
- Passa a grana, otário!
Não tive reação, não consegui pensar... Onde estava o José com fome?
- Vou te furar, mané!
- Calma, rapaz!
- Calma o cacete!
Puxou a carteira do meu bolso e saiu correndo. Sentei no chão e chorei feito uma criança. Na minha cabeça, uma única pergunta “Quer lanchar comigo, José?”
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