quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Fome Suja




- Moço, compra um pirulito.


Estava distraído quando ouvi aquela voz. Olhei para o lado e não vi ninguém. Resolvi voltar aos meus pensamentos quando...


- Moço, compra um pirulito.


Olhei ao meu redor e percebi que atrás de mim se encontrava um garoto magro, pálido e muito encardido. “Um menino de rua”, pensei e coloquei a mão sobre a carteira que estava no bolso.


- Moço, eu tô com fome. Compra um pirulito aí, vai?


Fome. A palavra doeu nos meus ouvidos. Duvidar de um ser humano com fome?


- Como é o seu nome, filho?


- Tô com fome.


De novo essa palavra? Será que ele quer que eu me sinta culpado pela fome no mundo?


- Você tem mãe?


- Tem não. Meu nome é José.


- José. Onde você mora, José?


- Moro longe.


Parecia que José não gostava muito de conversar. Talvez a vida não lhe desse muita chance para bater papo. Deveria ser filho de pai desconhecido, morando num barraco com a mãe e mais meia dúzia de irmãos.


- Quantos anos você tem, José?


- Dez ou onze. Sei não.


A esta altura eu já tinha perdido o meu ônibus.


- Moço, vai comprar um pirulito?


Aquela insistência em me vender um pirulito, ao invés de me irritar, aumentou ainda mais o meu interesse pelo José. Era a fome que mandava naquele corpo franzino e sujo. A fome era sua única força, era o que o mantinha de pé.


- Um é trinta e dois é cinqüenta.


Não sei. Talvez eu fosse um pouco culpado pela situação do José. Quem sabe eu poderia lhe pagar um lanche? 


- José, você quer...


- Cala a boca e passa a carteira, otário!


- Como é que é?


De repente a sua voz engrossou. Não tinha fome, mas um canivete na mão apontado para a minha barriga.


- Passa a grana, otário!


Não tive reação, não consegui pensar... Onde estava o José com fome?


- Vou te furar, mané!


- Calma, rapaz!


- Calma o cacete!


Puxou a carteira do meu bolso e saiu correndo. Sentei no chão e chorei feito uma criança. Na minha cabeça, uma única pergunta “Quer lanchar comigo, José?”

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