domingo, 3 de julho de 2011

Memoriolândia (O café)










Vovó estava com visita. Era sinônimo de que nada de errado ou estranho ou barulhento poderia acontecer. E se acontecesse...

Uma menina de no máximo 10 anos como eu não conseguia ser amiga da inércia e muito menos do silêncio. Sofrendo de uma necessidade de aparecer em grau altíssimo, não havia como o sonho de vovó se realizar naquele momento: receber a visita em um ambiente de paz, com uma neta educada, em uma casa em que nada dá errado. Nada?

Bem, vovó e sua visita estavam no sofá conversando. Vovó sorria e, de vez em quando, me olhava pelo canto do olho. A visita via apenas o sorriso doce de vovó e eu era a única testemunha do seu olhar fulminante que dizia "Olha lá, hein?".

Não lembro exatamente do momento em que a visita foi contemplada com um cafezinho “prontinho e feito na hora”, mas lembro muito bem do momento que vovó...

- Oh, minha filha, traga um café pra sua avó.

E deu aquele sorriso dócil para visita como quem dissesse “Olha como a minha neta é obediente” e aquele “Olha lá, hein?” para mim.

Fui à cozinha e fiz o que vovó pediu. Quando ela provou o café:

- Menina, que café sem doce é esse?

A essa altura eu já estava doida para brincar na casa da vizinha e teria que perder um tempo enorme voltando à cozinha e colocando mais açúcar no café de vovó. Joguei logo duas colheres bem cheias de açúcar para ela não mais reclamar da falta de doce.

- Menina, que diacho de tanto açúcar é esse?

- A senhora disse que aquele estava sem doce.

Vi a visita tentando segurar o riso enquanto vovó tentava segurar a vontade de me esganar. Tive que voltar a cozinha pela terceira vez. O pior era ouvir o grito das crianças lá fora brincando e eu, ali, naquele martírio da cafeína. Foi subindo aquela raiva, aquela rebeldia com causa e quando dei por mim, já havia jogado sal no café de vovó.

- Quer me matar, diabo?

E mandou a compostura ao inferno para correr atrás de mim com o chinelo na mão.



 

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