sábado, 21 de agosto de 2010

A burocracia do xixi





Olhei pela janela e me perguntei que lugar era aquele. Não vi postes de luz, orelhões, enfim, tive a sensação de que o progresso nunca havia passado por ali.


- Dez minutos! – gritou o motorista

Desci do ônibus, dei dois passos e já estava na porta do banheiro. Uma moça encontrava-se sentada, lendo. Ainda na entrada, pude perceber uma tabela com os preços para o uso do banheiro.

- Número 1 ou número dois, senhora?

- Como?

- Xixi ou cocô?

Meu Deus! É a barbárie! E sem dar a mínima importância à minha cara de espanto, ela continuou:

- A depender do que seja, o preço pode variar.

- Como assim “pode variar”?

- Se for o número 1 é um preço, se for o número 2, é outro preço. Um pouco mais caro, é claro.

E com a maior naturalidade do mundo, ela explicou o valor das minhas necessidades fisiológicas.

- E quanto custa o número 1?

- R$3,00, senhora. Qual a metragem do papel?

- Como é que é?

- Sim, a metragem do papel. De acordo com a quantidade de papel higiênico utilizado, o preço também varia.

Aquilo era demais pra mim. Como eu poderia saber a quantidade de papel que eu iria usar?

- Em cada banheiro há uma tabela na parede, formulada a partir de diversos cálculos, numa relação diretamente proporcional entre a durabilidade do xixi e a quantidade de papel necessária. Por exemplo, se a duração do seu xixi for de 3 segundos, seriam necessários trinta centímetros de papel.

E eu ali, parada, a bexiga apertada e os minutos passando...

- E como vocês vão saber a durabilidade do meu xixi?

- Existe um sensor que controla o tempo e assim que a senhora terminar, uma luz verde se acenderá, indicando o tempo gasto. Depois, é só olhar a tabela e retirar a quantidade de papel necessária. Tudo isso está explicado no manual que a senhora recebeu ao sair do ônibus.

Manual? Então aquele papel que um menino me entregou era um manual para fazer xixi? Achei que fosse um panfleto de propaganda política e joguei fora.

- Para lavar as mãos estamos com uma promoção: 2 apertadas no sabão com o preço de uma, mas sem direito ao papel de secar. Se a senhora quiser secar as mãos, será outro preço.

As pessoas entravam e saíam como se estivessem em um estabelecimento comercial qualquer: pagavam, recebiam uma nota fiscal com a descrição dos serviços utilizados, umas pagavam em cheque, outras, com cartão de crédito...

- Caso a senhora queira fazer uso do espelho, terá de pagar mais uma tarifa.

- Então ao lavar as mãos, se eu der uma olhada rápida, sem querer, no espelho, eu terei que pagar outra tarifa?

- Depende de como a senhora vai se olhar no espelho. Se for um olhar sem a intenção de verificar a sua aparência, ou seja, olhar, mas sem satisfazer a vaidade, então a senhora ficará isenta de pagar a tarifa.

- E como vocês saberão se o meu olhar foi acidental ou intencional?

- Bem, por trás dos espelhos, nós temos um grupo de psicólogos especialmente treinados para interpretar o seu olhar através de suas reações, baseados em estudos sobre o comportamento humano. Ao menor sinal de vaidade, eles nos emitirão os dados pelo computador que indicará o tempo utilizado na olhada, fazendo em seguida o cálculo da sua tarifa por uso do espelho.

- Querida, eu vou fazer o número 1.

Recebi uma ficha e entrei. Era um banheiro como outro qualquer. Confesso que, depois de tanta explicação, imaginei que entraria no banheiro da NASA ou algo parecido.  Na hora de lavar as mãos, fechei os olhos para não ter que pagar a tarifa do espelho e só apertei o sabão uma vez para aproveitar a tal promoção.

- Querida, se ao invés do número 1, eu fizesse o número 2, quais as normas que eu deveria seguir?

O motorista do meu ônibus começou a buzinar impacientemente para chamar os passageiros.

- Bem, senhora, quanto à metragem do papel, a quantidade usada pode ser maior. Entretanto, se a senhora apertar a descarga mais de uma vez, pagará uma tarifa extra.

- E se o número 2 não descer na primeira apertada? Vocês deveriam dar a segunda de bônus.

- Infelizmente não, senhora. Foi a partir de diversos estudos sobre o volume e o peso desta substância sólida que a força da água utilizada na descarga foi desenvolvida juntamente com a velocidade necessária para impedir que isso ocorra. Assim, a descarga é programada para apenas uma apertada.

- Então se o meu número 2 não descer na primeira puxada, eu estou fora das estatísticas de normalidade e por isso terei que pagar a tarifa extra?

- Exatamente, senhora. Mais alguma informação?



Após ter vivido toda aquela curiosa situação, percebi que seja onde for ou no tempo que for, sempre viveremos numa burocracia, nem que seja a burocracia do xixi, talvez por ainda estar contaminada pelo número 1, o número 2...


(16/07/03)






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