Profissão?
- Profissão?
- Leitora.
A mulher olhou para a minha cara como se eu a tivesse insultado.
- Senhora, eu perguntei a sua...
- Profissão. Pois é, leitora.
Seus olhos me perguntaram “E desde quando isso é profissão?”, mas a sua atitude profissional só permitia que ela continuasse a preencher o formulário, deixando em branco o espaço destinado a profissão. Nada de polêmicas, concordando ou não, o cliente tinha que ter sempre razão.
Foi por essas e outras que optei por ser leitora, uma profissão livre, podia concordar e discordar daquilo que bem entendesse. Entretanto, nem todos tinham a mesma sorte (ou coragem) que eu.
Ela me entregou os documentos e mandou aguardar. Talvez o único momento em que pudesse dar uma ordem a alguém.
E assim a polêmica da minha profissão se repetia todas as vezes que eu era perguntada sobre ela. Viver de quê? Ganhar o quê? E desde quando letras pagam as contas? Perguntas pessoais que eu me recusava a responder, deixando o meu interlocutor mais intrigado do que nunca.
Sim, eu era leitora e pagava as minhas contas. Ganhava e muito. Muito mais do que um salário no fim do mês, aliás, o que eu ganhava nunca acabava, durava o quanto eu quisesse. Por que tantas perguntas e surpresas sobre uma profissão? Não poderia dizer que era uma profissão como outra qualquer, mas ainda assim era uma profissão, era a minha profissão. Que me perdoassem os médicos, advogados e todos aqueles com profissão reconhecida que se incomodavam com a minha.
- Profissão?
E lá estava eu outra vez, no centro da berlinda. E seria assim para sempre, até o fim dos meus dias, todas as vezes que eu abrisse a minha boca para dizer “Leitora”.
- Senhora, eu pergun...
- Sim, leitora.
Mais uma que era dominada pela formalidade profissional: se calava e deixava em branco o espaço da profissão.
(08/08/2010)
origem da imagem:http://oimperativocategorico.files.wordpress.com/2008/04/preferencia_para_leitores.jpg
1 comentários:
Uau! Identifiquei-me muito com o texto!
20 de janeiro de 2020 às 18:27Postar um comentário